Por Antonio Serrano
Entre os meses de março e abril, as empresas começam seu ciclo de planejamento estratégico. O processo, que dura de 8 a 10 meses e envolve boa parte da organização, termina com slides de PowerPoint que buscam revelar a estratégia da empresa nos 5 anos seguintes e o orçamento detalhado do ano posterior. Todo esse esforço compensa? Todas as empresas (ou alguma empresa) devem fazer um planejamento estratégico?
Não há evidência científica de que o planejamento estratégico traga melhores resultados.
Quando temos alguma dúvida se algo funciona ou não, recorremos ao método científico que parte de resultados empíricos para provar determinada teoria. No livro “Rise and Fall of Strategic Planning”, Henry Mintzberg comenta um metaestudo que agregou 29 pesquisas com 2.496 empresas realizado por Boyd (1991) em que a correlação encontrada entre planejamento e performance é “muito fraca”.
Em gestão de empresas, entretanto, nem sempre é fácil realizar esse tipo estudo, mas o livro aponta também diversas pesquisas em que executivos relatam que o planejamento estratégico não só não contribui com resultados, mas atrapalha: “a reclamação não é quando o planejamento não funciona, mas com seus efeitos deletérios quando ele funciona”.
Também não faltam exemplos de empresas classificadas inicialmente como startups, mas atualmente com mais de cinco anos de existência e mais de R$ 100 milhões de faturamento anual que não fazem planejamento estratégico e conseguem manter o ritmo de crescimento acelerado.
O planejamento estratégico convencional apresenta falhas já na sua concepção.
O processo começa com uma análise macroeconômica dos próximos cinco anos para que a empresa estime a demanda de seus produtos. A partir de então, estima-se o market share desejado e o preço, fazem-se quebras regionais, avalia-se a capacidade de produção, de recursos humanos e mais algumas outras linhas de custos operacionais e financeiras para chegar-se a uma lista de iniciativas-chave e um demonstrativo de resultados da empresa.
O time de planejamento estratégico conduz o processo, que envolve diversas áreas da empresa e reuniões de validações etapa por etapa com a alta liderança e o conselho
Este resumido processo, comum a diversas empresas, apresenta alguns pontos falhos:
O nome “Planejamento Estratégico” acaba por trazer a falsa sensação de que uma nova estratégia está sendo elaborada e a falta de ideias novas resulta, então, em uma empresa com uma estratégia de crescimento limitada, baseada apenas em uma extrapolação linear do seu negócio atual. Esta limitação acaba por retirar a flexibilização e autonomia que os executivos precisam no dia a dia para rapidamente reagirem a um ambiente dinâmico de competição. O fato de Airbnb e Uber não terem surgido dentro de empresas de hotéis e fabricantes de automóveis ilustra esse ponto.
Muito difícil encontrar algum executivo fora da área de planejamento que elogie o processo de planejamento estratégico da sua empresa. Com um calendário extenso, mas minuciosamente detalhado, o processo impõe datas apertadas e pouco espaço para discussões. Estas datas muitas vezes também não coincidem com o momento em que as ideias inovadoras surgem.
Além disso, o executivo diretamente responsável pelo resultado da unidade de negócio sabe que o que colocar no planejamento se refletirá na sua meta, desmotivando-o a revelar todas as oportunidades que visualiza. Por exemplo, o time de vendas tende a criar cenários pessimistas de tamanho de mercado para reduzir suas futuras metas de receita e o time de operações cria cenários que os levem a menores metas de cortes de custos. Consequentemente, o nível de engajamento com o plano em questão é muito baixo.
Por que fazer algum tipo de planejamento, então?
Quando observamos a quantidade de recursos e tempo alocados no planejamento estratégico convencional e suas consequências, devemos avaliar em quais situações faz sentido implantar o processo de planejamento estratégico. Algumas situações se destacam:
Como sair das ciladas do planejamento estratégico convencional e ter uma estratégia de sucesso?
Nas aulas de microeconomia, todos aprendemos que o ambiente de competição resulta em ganhos marginais para o capital investido. Por conta disso, no livro “Zero to One”, Peter Thiel sugere que as empresas devem buscar o “monopólio” para garantir sucesso no longo prazo. No livro, Peter cita que o Twitter, mesmo não gerando lucro, tem um valor de mercado 12x superior ao lucrativo Times por ter aquele um monopólio em um tipo de comunicação que este não tem.
Para atingir tais resultados, ele sugere que as empresas busquem desenvolver tecnologias proprietárias diferenciadas, negócios que tragam economias de escala, efeito rede e branding único. No artigo “The big lie of strategic planning” na HBR, Thiel comenta ser essencial para o diferencial da empresa possuir “habilidades valiosas, raras, não copiáveis e não substituíveis”.
Naturalmente, não é fácil chegar nessa proposta de valor – muitas vezes a resposta é encontrada por meio de conversas com os próprios clientes, com o time de vendas, de operações ou mesmo ex-funcionários de concorrentes.
Estratégias de sucesso refletem uma visão fácil de ser sintetizada, embora nem sempre uma visão bem sintetizada resulte em uma estratégia de sucesso.
A Microsoft ilustra esta situação. Após anos de sucesso com o seu sistema operacional Windows, a empresa começou a perder status nos anos 2000 com a entrada de empresas como a Google que dominaram alguns aspectos da Internet e dos smartphones. A estratégia conduzida por Steve Balmer, CEO que sucedeu o fundador Bill Gates de 2000 a 2014, parecia ter por base uma visão de autopreservação com projetos para manter o Windows como carro chefe – um planejamento estratégico que limitou possivelmente novas ideias e gerou o efeito de mais do mesmo. O CEO seguinte, Satya Nadella, trouxe uma nova visão fácil de sintetizar (“Nosso futuro: nuvem inteligente e inteligência na ponta”) que alavanca os ativos gerados pelo Windows e transforma a empresa em uma provedora de serviços digitais por assinatura. A Microsoft atingiu, em fevereiro de 2019, o posto de empresa mais valiosa do mundo.
Muitas empresas atuam em setores já cercados de competição e podem considerar impossível caminhar na direção de formular uma visão com uma proposta de valor absolutamente diferenciada. Em algumas situações, o core business dessas empresas será o financiador dos diferenciais competitivos que apoiarão a proposta de valor mais ampla a ser talhada. As adjacências devem ser mapeadas e priorizadas contribuindo no reforço do core business.
Entretanto, estão nas ideias disruptivas as principais apostas que podem resultar em crescimento exponencial. Difícil de planejar e prever, as ideias devem ser priorizadas e experimentadas na lógica de aprenda e falhe rápido (“fail fast”).
A Amazon ilustra bem toda esta lógica. Começando com livros como seu core business, expandiu para as adjacências de CD/DVDs e depois para diversas outras categorias de e-commerce. Foi testando diversas ideias disruptivas e obteve sucesso em frentes como atendimento virtual (Alexa) e serviços em nuvem (Amazon Web Services) – este último representou 10% da receita e 58% do lucro da Amazon no último trimestre de 2018, segundo a CNBC.
Por fim, o processo de planejamento estratégico discutido aqui surgiu há mais de 50 anos e está incrustado na rotina de muitas empresas. Quando surgiram e durante muitos anos, as “startups” tinham dificuldade para experimentar modelos de negócio disruptivos, pois o acesso a capital era difícil e a escala era fundamental para prosperar nos negócios. O planejamento estratégico convencional, nem sempre funcionava e atrapalhava todas as empresas uniformemente.
Com acesso a capital mais fácil e tecnologia mais barata, o ambiente de negócios hoje é bem mais dinâmico e exige mais velocidade e experimentação. Desta forma, o planejamento estratégico convencional pode, sim, ser uma barreira para a adaptação das empresas e consequente geração de valor para seus acionistas. Vale a pena experimentar a mudança!
Antonio Serrano é CEO da Juntos Somos Mais, startup de fidelidade.
Matéria: https://hbrbr.uol.com.br/aposente-o-planejamento-estrategico-convencional/
Fonte: Harvard Business Review