Por Darrell K. Rigby, Jeff Sutherland e Andy Noble
Hoje, a maioria dos líderes empresariais já está familiarizada com equipes de inovação agile (ágil, em tradução livre). Esses pequenos grupos empreendedores são projetados para ficar próximos aos clientes, adaptando-se rapidamente às mudanças. Quando implementados corretamente, quase sempre proporcionam aumento da produtividade e do moral da equipe, lançamento mais rápido, melhor qualidade e menores riscos do que as abordagens tradicionais.
Como seria de se esperar, os líderes que tiveram experiência com equipes ágeis ou delas ouviram falar têm algumas dúvidas fundamentais. E se fossem implementadas dezenas, centenas, ou até milhares de equipes ágeis em toda a empresa? Será que segmentos inteiros conseguiriam operar assim? Implementar práticas ágeis em larga escala pode melhorar o desempenho corporativo tanto quanto os métodos ágeis melhoram o desempenho individual da equipe?
No mercado tumultuado de hoje, em que empresas estabelecidas lutam freneticamente contra a concorrência de startups e outros insurgentes, a perspectiva de uma empresa adaptável e em rápida transformação é muito atraente. Porém transformar isso em realidade não é fácil. E nem sempre as empresas sabem quais funções devem ser reorganizadas em equipes ágeis multidisciplinares e quais não devem. E, não raro, centenas de novas equipes ágeis são estranguladas pela lenta burocracia.
Estudamos o uso massivo da metodologia agile em centenas de organizações, incluindo empresas pequenas que gerenciam todo o empreendimento com métodos ágeis; grandes empresas que, como a Spotify e a Netflix, nasceram ágeis e se tornaram mais fortes à medida que cresceram; e empresas que, como a Amazon e a USAA (empresa de serviços financeiros para a comunidade militar), estão fazendo a transição de hierarquias tradicionais para empresas mais ágeis. Junto com as muitas histórias de sucesso, há algumas decepções. Por exemplo, nos últimos cinco anos uma grande empresa industrial tentou inovar como uma startup enxuta, mas ainda não colheu os resultados financeiros esperados por investidores ativistas e pelo conselho de administração, e, recentemente, vários executivos seniores renunciaram.
Nossos estudos mostram que as empresas podem adotar práticas ágeis em larga escala e que isso cria benefícios substanciais. Mas os líderes precisam ser realistas. Nem todas as funções devem ser organizadas em equipes ágeis — de fato, os métodos ágeis não são adequados para algumas atividades. Porém, quando você começa a lançar dezenas ou centenas de equipes ágeis, não dá para deixar de lado as outras partes da empresa. Se, constantemente, as suas unidades ágeis recém-convertidas forem frustradas por procedimentos burocráticos ou pela falta de colaboração entre as equipes de operação e de inovação, o atrito organizacional produzirá faíscas, o que redundará em colapsos e resultados ruins. Mudanças devem ser implementadas para garantir que equipes ágeis sejam compatíveis com as funções que não operam dessa maneira.
Ser ágil para tornar-se um líder ágil
Para quem não está familiarizado com a metodologia ágil, segue um breve resumo. As equipes ágeis são mais adequadas para lidar com a inovação — ou seja, a aplicação prática da criatividade para aprimorar produtos e serviços, processos ou modelos de negócios. Elas são pequenas e multidisciplinares. Confrontadas com um problema grande e complexo, elas o dividem em módulos, desenvolvem soluções para cada componente por meio de prototipagem rápida e ciclos estreitos de feedback e integram as soluções em um todo coerente. Elas valorizam mais a adaptação à mudança do que a adesão a um plano, e se responsabilizam por resultados (como crescimento, lucratividade e fidelidade do cliente), não por produtividade (como linhas de código ou número de novos produtos).
Para equipes ágeis, o campo é fértil em qualquer situação em que os problemas são complexos, as soluções não são claras, os requisitos do projeto provavelmente mudarão, uma estreita colaboração com os usuários finais é viável, e as equipes de criação superarão os grupos de comando e controle. Operações de rotina, como manutenção de fábrica, compra e contabilidade, são áreas menos fecundas. Os métodos ágeis formam introduzidos primeiro nos departamentos de TI e agora são amplamente usados no desenvolvimento de software. Com o passar do tempo, eles se disseminaram em funções como desenvolvimento de produtos, marketing e até RH (ver Incorporando a agilidade, HBRBR, maio de 2016; e O RH torna-se ágil, HBRBR, abril de 2018.)
As equipes ágeis trabalham de maneira diferente das burocracias da cadeia de comando. Elas são, em grande parte, autogovernadas: os líderes seniores informam aos membros da equipe onde inovar, mas não como. E as equipes trabalham próximas aos clientes, externos e internos. A ideia é que isso coloque a responsabilidade pela inovação nas mãos daqueles que estão mais próximos dos clientes, o que reduz as camadas de controle e aprovação, acelera o trabalho e aumenta a motivação das equipes. E ainda libera os líderes seniores para fazer o que só eles podem fazer: criar e comunicar visões de longo prazo, definir e sequenciar prioridades estratégicas e construir as capacidades organizacionais para alcançar esses objetivos.
Quando os líderes não têm experiência e não entendem a abordagem ágil, talvez tentem implementar o desenvolvimento ágil em larga escala da mesma maneira como fizeram em outras iniciativas de mudança: por meio de planos e diretrizes de cima para baixo. O histórico mostra que os resultados são melhores quando eles se comportam como uma equipe ágil. Isso significa visualizar várias partes da organização como seus clientes — pessoas e grupos cujas necessidades diferem, provavelmente são mal compreendidas, e evoluirão à medida que a prática ágil se instala. A equipe executiva define prioridades e cria uma sequência de oportunidades para melhorar as experiências desses clientes e promover seu sucesso. Líderes mergulham no assunto para resolver os problemas e remover as restrições, em vez de delegar esse trabalho aos subordinados. Como qualquer outro grupo ágil, a equipe de liderança ágil tem um “dono da iniciativa” responsável pelos resultados gerais e um facilitador que treina os integrantes e ajuda a mantê-los engajados.
A Bosch, líder global de tecnologia e serviços com mais de 400 mil associados e operações em mais de 60 países, adotou essa abordagem. Conforme os líderes começaram a perceber que a gestão tradicional de cima para baixo já não era eficaz em um mundo globalizado e em rápida evolução, a empresa tornou se uma das primeiras a adotar a metodologia agile. Mas diferentes áreas de negócios exigiam abordagens diferentes, e a primeira tentativa da Bosch de implementar o que chamou de “organização dupla” — na qual novas empresas eram geridas com equipes ágeis enquanto funções tradicionais eram deixadas de lado — comprometeu o objetivo de uma transformação holística. Em 2015, membros do conselho de gestão, liderados pelo CEO Volkmar Denner, decidiram adotar uma abordagem mais unificada para as equipes ágeis. O conselho atuou como uma comissão de coordenação e, para orientar a iniciativa, nomeou Felix Hieronymi, engenheiro de software que se tornou especialista ágil.
A princípio, Hieronymi esperava gerenciar a tarefa da mesma forma que a Bosch gerenciava a maioria dos projetos: com uma meta, uma data prevista de conclusão e relatórios de status regulares para a diretoria. Mas essa abordagem parecia inconsistente com os princípios ágeis, e as divisões da empresa eram muito céticas quanto a outro programa organizado centralmente. Então a equipe acelerou a marcha. “A comissão de coordenação se transformou em uma comissão de trabalho”, disse Hieronymi. “As discussões ficaram muito mais interativas.” A equipe compilou e classificou uma lista de prioridades corporativas, que era atualizada regularmente, e buscou remover, de forma constante, as barreiras da empresa para ganhar agilidade. Os membros se espalharam para envolver os líderes da divisão no diálogo. “De projeto anual a estratégia evoluiu para um processo contínuo”, diz Hieronymi. “Os membros do conselho dividiram-se em pequenas equipes ágeis e testaram várias abordagens — algumas com um ‘dono do produto’ e um ‘mestre ágil’ — para lidar com problemas difíceis ou trabalhar em tópicos fundamentais. Um grupo, por exemplo, elaborou os dez novos princípios de liderança lançados em 2016. Eles pessoalmente experimentaram a satisfação de aumentar a velocidade e a eficácia. É impossível ter essa experiência lendo um livro. Hoje, a Bosch opera com uma combinação de equipes ágeis e unidades tradicionalmente estruturadas. Mas relata que quase todas as áreas adotaram valores ágeis, colaboram mais efetivamente e se adaptam com maior rapidez a mercados cada vez mais dinâmicos.
Como fazer funcionar a metodologia agile
Como outras empresas ágeis avançadas, a Bosch tem visão ambiciosa. De acordo com os princípios ágeis, no entanto, a equipe de liderança não planeja todos os detalhes antecipadamente. Os líderes reconhecem que ainda não sabem quantas equipes ágeis serão necessárias, com que rapidez elas devem ser adicionadas e como as restrições burocráticas podem ser resolvidas sem criar caos na organização. Por isso, geralmente, lançam uma primeira leva de equipes ágeis, coletam dados sobre o valor que as equipes criaram e as restrições que enfrentam e decidem se, quando e como dar o próximo passo. Isso permite que elas ponderem o valor de aumentar a agilidade (em termos de resultados financeiros, resultados de clientes e desempenho dos funcionários) em relação aos custos (em termos de investimentos financeiros e desafios organizacionais). Se os benefícios superam os custos, os líderes continuam a aumentar a escala das práticas ágeis — implantando outra leva de equipes, desbloqueando restrições em partes menos ágeis da organização e repetindo o ciclo. Caso contrário, podem fazer uma pausa, monitorar o mercado e explorar formas de aumentar o valor das equipes ágeis já estabelecidas (por exemplo, estabelecendo prioridades mais racionais de trabalho ou atualizando as capacidades de prototipagem) e diminuir os custos de mudança (divulgando sucessos da metodologia ágil ou contratando entusiastas experientes).
Para iniciarem esse ciclo de testes e aprendizado, as equipes de liderança costumam empregar duas ferramentas essenciais: uma classificação de equipes em potencial e um plano de sequenciamento que reflete as principais prioridades da empresa. Primeiro, vamos ver como cada um pode ser empregado e depois explorar o que é mais importante para lidar com iniciativas ágeis em larga escala e longo prazo.
Crie uma classificação de equipes. Assim como as equipes ágeis compilam uma lista de pendências a ser resolvidas no futuro, as empresas que conseguem implementar um desenvolvimento ágil em larga escala geralmente começam criando uma classificação completa de oportunidades. Seguindo a abordagem modular da metodologia ágil, elas podem dividir a classificação em três componentes — equipes de experiência do cliente, equipes de processos de negócios e equipes de sistemas de tecnologia — e integrá-las. O primeiro componente identifica todas as experiências que podem afetar significativamente as decisões, comportamentos e satisfação dos clientes externos e internos. Elas geralmente podem ser divididas em uma dúzia de experiências importantes (por exemplo, uma das principais experiências de um cliente de varejo é comprar e pagar por um produto), que, por sua vez, pode ser dividida em dezenas de experiências mais específicas (escolher um método de pagamento, usar um cupom, resgatar pontos de fidelidade, concluir o processo de pagamento e receber um recibo). O segundo componente examina as relações entre essas experiências e os principais processos de negócio (melhorias no caixa para reduzir o tempo de filas, por exemplo), com o objetivo de reduzir a sobreposição de responsabilidades e aumentar a colaboração entre equipes de processos e equipes de experiência do cliente. O terceiro se concentra no desenvolvimento de sistemas de tecnologia (como melhores aplicativos para pagamento móvel) para melhorar os processos que apoiarão as equipes de experiência do cliente.
A classificação de um negócio de US$ 10 bilhões pode identificar de 350 a mil equipes em potencial — ou mais. Esses números parecem assustadores, e os executivos seniores muitas vezes relutam em considerar tantas mudanças. (“Que tal se tentarmos duas ou três dessas coisas para ver como elas funcionam?”) Mas o valor de uma taxionomia é que ela encoraja a exploração de uma visão transformacional, ao mesmo tempo que divide a jornada em pequenas etapas que podem ser pausadas, viradas ou interrompidas a qualquer momento. Também ajuda os líderes a identificar restrições. Por exemplo, depois de identificar as equipes que você pode lançar e os tipos de pessoa de que você precisa, é necessário perguntar: temos essas pessoas? Se sim, onde estão? Uma classificação revela suas lacunas de talentos e os tipos de pessoa que você deve contratar ou reciclar para preenchê-las. Os líderes também podem perceber como cada equipe em potencial se encaixa no objetivo de oferecer uma melhor experiência aos clientes.
A USAA tem mais de 500 equipes ágeis em operação e planeja adicionar mais 100 em 2018. A classificação é totalmente visível para todos na empresa. “Se você não tem uma boa classificação, você acaba com redundância e duplicação”, disse o COO Carl Liebert. “Quero entrar em um auditório e perguntar ‘quem é dono da experiência de mudança de endereço deste cliente?’. Quero uma resposta clara e segura de uma equipe que seja a dona dessa experiência, seja para um cliente que liga para nós, faz login em nosso site de um laptop ou usa nosso aplicativo para dispositivos móveis. Não quero dedos apontados para ninguém. Nem respostas que comecem com ‘é complicado’.”
A classificação da USAA vincula as atividades das equipes ágeis às pessoas responsáveis pelas unidades
de negócio e pelas linhas de produtos. O objetivo é garantir que os gestores responsáveis por partes específicas do P&L (demonstrativo de perdas e lucros, em inglês) entendam como as equipes interfuncionais influenciarão seus resultados. Líderes seniores da empresa atuam como gestores gerais em cada linha de negócio e são responsáveis pelos seus resultados. Mas esses líderes dependem de equipes interorganizacionais focadas no cliente para executar grande parte do trabalho. A empresa também depende de recursos tecnológicos e digitais disponibilizadas aos donos da experiência. O objetivo, neste caso, é garantir que os líderes de negócio disponham de todos os recursos necessários para entregar os resultados com os quais se comprometeram. A intenção de fazer uma classificação é deixar claro como envolver as pessoas certas no trabalho certo sem criar confusão. Esse tipo de vínculo é especialmente importante quando estruturas organizacionais hierárquicas não estão alinhadas com os comportamentos do cliente. Por exemplo, muitas empresas têm estruturas e P&Ls independentes para operações online e offline, mas os clientes querem experiências integradas sem interrupções, do tipo omnichannel. Uma classificação clara que implanta as equipes interorganizacionais certas torna esse alinhamento possível.
Faça a transição em etapas. Com a classificação pronta, a equipe de liderança estabelece prioridades e uma sequência de iniciativas. Os líderes devem considerar vários critérios, como importância estratégica, limitações orçamentárias, disponibilidade de pessoal, retorno do investimento, custo de atraso, níveis de risco e interdependência entre equipes. Os mais importantes — e os mais negligenciados — são, de um lado, os pontos problemáticos percebidos pelos clientes e funcionários e, de outro, as capacidades e restrições da empresa. Eles determinam o equilíbrio certo entre a velocidade do lançamento e o número de equipes que a empresa pode manipular simultaneamente.
Empresas que precisam mudar radicalmente diante de ameaças estratégicas urgentes têm adotado, em algumas unidades, implementações do tipo Big-Bang ou tudo-ao-mesmo-tempo-agora. Por exemplo, em 2015, a ING Netherlands antecipou a crescente demanda dos clientes por soluções digitais e o aumento das incursões de novos concorrentes digitais (as “fintechs”, empresas de tecnologia no setor de serviços financeiros). A equipe de gestão decidiu mudar agressivamente. Dissolveu as estruturas organizacionais de suas funções mais inovadoras, incluindo desenvolvimento de TI, gestão de produtos, gestão de canal e marketing — ou seja, praticamente aboliu todos os empregos. Em seguida, criou pequenos “esquadrões” ágeis e determinou que quase 3.500 funcionários se candidatassem às 2.500 vagas reprojetadas desses esquadrões. Cerca de 40% das pessoas precisaram aprender um novo trabalho, e todos tiveram de mudar profundamente sua mentalidade (ver Experimento de uma equipe: o caso de um banco, HBRBR, abril de 2018).
Mas as transições Big-Bang são difíceis. Elas exigem total comprometimento da liderança, cultura receptiva, praticantes ágeis talentosos, experientes e capazes de formar centenas de equipes sem comprometer outras áreas, e manuais de instrução altamente prescritivos para alinhar a abordagem de todos. Exigem também alta tolerância de risco, juntamente com planos de contingência para lidar com falhas inesperadas. O ING continua a aperfeiçoar os detalhes conforme expande a prática ágil em toda a organização.
Para empresas sem esses recursos, é melhor adotar a metodologia ágil em etapas: cada unidade combina as oportunidades de implementação com suas capacidades. No início de sua iniciativa ágil, o grupo de tecnologia avançada da 3M Health Information Systems lançava oito a dez equipes mensalmente ou bimestralmente. Agora, dois anos depois, mais de 90 equipes estão em operação. O Laboratório de Sistemas de Pesquisa Empresarial da 3M começou mais tarde, mas lançou 20 equipes em três meses.
Seja qual for o ritmo ou o destino final, os resultados devem começar a aparecer com rapidez. Resultados financeiros podem demorar um pouco — Jeff Bezos acredita que a maioria das iniciativas leva cinco a sete anos para pagar dividendos para a Amazon —, mas mudanças positivas no comportamento dos clientes na resolução de problemas das equipes fornecem sinais precoces de que as iniciativas estão no caminho certo. “A adoção da metodologia ágil já possibilitou a entrega acelerada de produtos e o lançamento de um aplicativo beta seis meses antes do planejado”, diz Tammy Sparrow, gerente sênior de programa da 3M Health Information Systems.
Os líderes de divisão podem determinar o sequenciamento da mesma forma que qualquer equipe ágil. Comece com as iniciativas que, potencialmente, oferecem mais valor e aprendizado. A SAP, empresa desoftware empresarial que lançou o processo há uma década, foi uma das primeiras a implantar o desenvolvimento ágil em larga escala. Primeiro, seus líderes expandiram as práticas ágeis em suas unidades de desenvolvimento de software — um segmento altamente focado no cliente onde eles podiam testar e refinar a abordagem. Eles formaram um pequeno grupo de consultoria para treinar, fazer coaching e incorporar a nova maneira de trabalhar, e criaram um rastreador de resultados para que todos pudessem acompanhar a evolução das equipes. “Mostrar exemplos concretos de ganhos de produtividade impressionantes da prática ágil gerava cada vez mais incentivo da empresa”, diz Sebastian Wagner, que na época era um gestor de consultoria nesse grupo. Nos dois anos seguintes, a empresa implantou a metodologia ágil em mais de 80% de suas organizações de desenvolvimento, criando mais de duas mil equipes. O pessoal de vendas e o de marketing perceberam que era necessário se adaptar para manter o ritmo, então essas áreas foram as próximas. Uma vez que a linha de frente da empresa evoluía velozmente, era o momento de a retaguarda dar o salto. Então a SAP implantou a metodologia ágil no grupo que trabalhava com sistemas internos de TI.
Muitas empresas cometem o erro de buscar vitórias fáceis. Elas colocam equipes em incubadoras externas. Intervêm para criar soluções fáceis para obstáculos sistêmicos. Essa superproteção aumenta as chances de sucesso de uma equipe, mas não produz o ambiente de aprendizado ou as mudanças organizacionais necessárias para aumentar a escala de dezenas ou centenas de equipes. As primeiras equipes ágeis da empresa carregam o fardo do destino. Testá-las, assim como testar qualquer protótipo, deve refletir condições diversas e realistas. Como a SAP, as empresas de maior sucesso concentram-se em experiências vitais do cliente que causam as maiores frustrações entre os silos funcionais.
Ainda assim, nenhuma equipe ágil deve ser implementada a menos que esteja pronta para começar. Estar pronta não significa que ela deve ter sido planejada em detalhes e ter sucesso garantido. Significa que a equipe deve:
• estar focada em uma grande oportunidade de negócio de alto risco;
• ser responsável por resultados específicos;
• ser confiável para trabalhar de forma autônoma — guiada por claros direitos de propriedade, com recursos adequados, e com um pequeno grupo de especialistas multidisciplinares entusiasmados pela oportunidade;
• ter compromisso com a aplicação de valores, princípios e práticas ágeis;
• ser capacitada para colaborar estreitamente com os clientes;
• ser capaz de criar protótipos rápidos e ciclos de feedback rápido;
• ser apoiada por executivos seniores que lidarão com os impedimentos e impulsionarão a adoção do trabalho da equipe.
Seguir essa lista ajudará você a planejar uma sequência para obter o maior impacto possível para os clientes e para a empresa.
Domine iniciativas ágeis de larga escala. Muitos executivos não conseguem conceber que pequenas equipes ágeis possam enfrentar projetos de larga escala e de longo prazo. Mas, em princípio, não há limite para o número de equipes ágeis que você pode criar ou para o tamanho da iniciativa. Você pode estabelecer “equipes de equipes” que trabalham em iniciativas relacionadas — uma abordagem que pode aumentar em muito a escala. O negócio aeronáutico da Saab, por exemplo, tem mais de 100 equipes ágeis operando no software, hardware e fuselagem para construir o caça Gripen — um item de US$ 43 milhões que, certamente, é um dos produtos mais complexos do mundo. A coordenação é diária e feita por meio de reuniões de equipe de equipes (todos de pé). Às 7h30, cada equipe ágil da linha de frente promove uma reunião de 15 minutos para identificar impedimentos, alguns dos quais não podem ser resolvidos por essa equipe. Às 7h45, os impedimentos que exigem coordenação são escalados para uma equipe de equipes, na qual os líderes trabalham para resolver ou escalar ainda mais os problemas. Essa abordagem continua, e às 8h45 a equipe de ação executiva tem uma lista das questões críticas a resolver para que que se continue avançando. A Aeronáutica também coordena suas equipes em ritmo comum de três semanas intensas, um plano mestre de projeto que é tratado como um documento vivo, e o trabalho conjunto entre partes tradicionalmente díspares da organização — por exemplo, colocar pilotos de teste e simuladores com equipes de desenvolvimento. Os resultados são notáveis: a IHS Jane’s, editora especializada em assuntos militares, considerou o Gripen o avião militar mais econômico do mundo.
Como implantar a metodologia agile em toda a empresa
Expandir o número de equipes ágeis é um passo importante para aumentar a agilidade dos negócios. Mas é igualmente importante a forma como essas equipes interagem com o resto da empresa. Até mesmo as empresas ágeis mais avançadas — Amazon, Spotify, Google, NetBI, Bosch, Saab, SAP, Salesforce, Riot Games, Tesla e SpaceX, para citar apenas algumas — operam combinando equipes ágeis e estruturas tradicionais. Para garantir que as funções burocráticas não atrapalhem o trabalho das equipes ágeis ou deixem de adotar e comercializar as inovações desenvolvidas por essas equipes, essas empresas pressionam, constantemente, por mudanças maiores, pelo menos, nas quatro áreas abaixo.
Valores e princípios. Uma empresa hierárquica tradicional geralmente pode acomodar um pequeno número de equipes ágeis espalhadas pela organização.Os conflitos entre as equipes e os procedimentos convencionais são resolvidos ou contornados por meio de intervenções pessoais. Quando uma empresa lança várias centenas de equipes ágeis, esse tipo de acomodação improvisada não é mais possível. Equipes ágeis avançarão em todas as frentes. As estruturas tradicionais da organização defenderão ferozmente o statu quo. Como em qualquer mudança, os céticos produzirão todo tipo de anticorpo para atacar a metodologia ágil, desde se recusar a trabalhar em um cronograma ágil (“desculpe, por seis meses não conseguiremos chegar ao módulo de software de que você precisa”) até bloquear os fundos para grandes oportunidades que exigem soluções desconhecidas.
Assim, uma equipe de liderança que pretende aumentar a escala das necessidades ágeis, deve incutir valores e princípios ágeis em toda a empresa, até mesmo as áreas que não se organizam em equipes ágeis. É por isso que os líderes da Bosch desenvolveram novos princípios de liderança e se espalharam por toda a empresa: eles queriam garantir que todos compreendessem que as coisas seriam diferentes e que a agilidade estaria no centro da cultura da empresa.
Arquiteturas operacionais. A implementação do desenvolvimento ágil em larga escala requer a modularização e, em seguida, a integração perfeita do fluxo de trabalho. Por exemplo, a Amazon pode implementar o software milhares de vezes por dia porque sua arquitetura de TI foi projetada para ajudar os desenvolvedores a fazer lançamentos rápidos e frequentes sem comprometer os sistemas complexos da empresa. Mas muitas outras empresas de grande porte, independentemente da rapidez com que conseguem escrever o código dos programas, podem implantar software apenas algumas poucas vezes por dia ou por semana — é assim que a sua arquitetura funciona.
Com base na abordagem modular para desenvolvimento de produtos desenvolvida de modo pioneiro pela Toyota, a Tesla projeta meticulosamente interfaces entre os componentes de seus carros para permitir que cada módulo inove de forma independente. Assim, a equipe de para-choques pode mudar qualquer coisa desde que mantenha interfaces estáveis com as partes afetadas. A Tesla também está abandonando os tradicionais ciclos de lançamento anuais em favor de respostas em tempo real ao feedback dos clientes. O CEO Elon Musk diz que a empresa faz cerca de 20 mudanças de engenharia por semana para melhorar a produção e o desempenho do Modelo S. Exemplos incluem novas baterias, segurança atualizada e hardware de piloto automático e software que ajusta automaticamente volante e assento para facilitar a entrada e a saída.
Nas empresas ágeis mais avançadas, arquiteturas inovadoras de produtos e processos estão atacando algumas das restrições organizacionais mais espinhosas com o objetivo de aumentar ainda mais a escala. A Riot Games, desenvolvedora do League of Legends, um bem-sucedido jogo eletrônico do gênero multiplayer online Battle arena (arena de batalha multijogador online), está redefinindo as interfaces entre equipes ágeis e funções de suporte e controle que operam convencionalmente, como instalações, finanças e RH. Brandon Hsiung, líder de produto para essa iniciativa em desenvolvimento, diz que ela envolve pelo menos dois passos principais. Um é mudar a definição das funções de seus clientes. “Seus clientes não são seus chefes funcionais, nem o CEO nem o conselho de gestão”, explica ele. “Seus clientes são as equipes de desenvolvimento que eles atendem, as quais, em última instância, atendem nossos jogadores.” A empresa instituiu pesquisas Net Promoter de satisfação do cliente para verificar se eles recomendariam as funções a outras pessoas e deixaram claro que, às vezes, os clientes insatisfeitos poderiam contratar fornecedores externos. “É a última coisa que queremos, mas é preferível garantir que nossas funções desenvolvam capacidades de classe mundial que possam competir em um mercado livre”, diz Hsiung.
A Riot Games também reformulou o modo como suas funções corporativas interagem com suas equipes ágeis. Alguns membros de funções corporativas podem ser incorporados em equipes ágeis, ou uma parte da capacidade de uma função ser dedicada a solicitações de equipes ágeis. Alternativamente, depois de colaborarem com as equipes para estabelecer certos limites, as funções podem ter pouco envolvimento formal com elas. Hsiung diz: “Silos como imóveis e aprendizado e desenvolvimento podem publicar filosofias, diretrizes e regras e depois dizer: ‘Essas são nossas diretrizes. Desde que você opere dentro delas, qualquer loucura é permitida — faça o que acredita ser o melhor para nossos jogadores’”.
Nas empresas que implementaram o desenvolvimento ágil em larga escala, os organogramas das funções de suporte e das operações de rotina geralmente parecem muito com os anteriores, embora, frequentemente, tenham menos níveis de gestão e intervalos de controle mais amplos à medida que os supervisores aprendem a confiar e a capacitar as pessoas. As maiores mudanças estão na maneira como os departamentos funcionais operam. As prioridades funcionais ficam, necessariamente, mais alinhadas com as estratégias empresariais. Se uma das prioridades-chave da empresa é melhorar a experiência mobile dos clientes, isso não pode ser o número 15 na lista de prioridades das finanças ou na lista de contratações do RH. E departamentos como o jurídico podem precisar de capacidade extra para lidar com solicitações urgentes de equipes ágeis de alta prioridade.
Com o tempo, mesmo as operações de rotina com estruturas hierárquicas provavelmente desenvolverão mentalidades mais ágeis. É claro que o departamento financeiro sempre administrará o orçamento, mas não precisa continuar questionando as decisões dos donos de iniciativas ágeis. “Nosso CFO sempre transfere a responsabilidade para as equipes ágeis capacitadas”, informa Ahmed Sidky, chefe de gestão de desenvolvimento da Riot Games. “Ele diz ‘Eu não estou aqui para administrar as finanças da empresa. Você, como líder de equipe, é que deve fazer isso. Estou aqui em uma função consultiva’. Na organização do dia a dia, os parceiros da área financeira são incorporados em todas as equipes. Eles não controlam o que as equipes fazem ou deixam de fazer. Eles atuam com um coach financeiro que faz perguntas difíceis e fornece conhecimento aprofundado. Mas, em última análise, é o líder da equipe que toma as decisões, de acordo com o que é melhor para os jogadores da Riot.”
Algumas empresas, e algumas pessoas, podem não aceitar essa relação de vantagens e desvantagens e contestar a implementação. Reduzir o controle é sempre assustador — até que você faça isso e descubra que as pessoas ficam mais felizes e as taxas de sucesso triplicam. Em uma recente pesquisa da Bain com cerca de 1.300 executivos globais, o enunciado sobre gestão que recebeu mais apoio foi: “Os líderes empresariais de hoje devem confiar e capacitar as pessoas, não comandá-las e controlá-las”. (Apenas 5% discordaram.)
Aquisição de talentos e motivação. Empresas que estão adotando o desenvolvimento ágil em larga escala precisam adquirir estrelas e motivá-las para tornar as equipes melhores. (Trate suas estrelas de forma injusta, e elas correrão para uma startup atraente.) Elas também precisarão liberar o potencial represado de membros mais convencionais da equipe e criar compromisso, confiança e responsabilidade conjunta pelos resultados. Não há uma forma prática de fazer isso sem mudar os procedimentos do RH. As empresas já não podem contratar apenas especialistas. Agora, precisam de equipes colaborativas que aliem conhecimento e entusiasmo. Não é possível avaliar se as pessoas atingem objetivos individuais. Agora, é preciso analisar seu desempenho em equipes ágeis e nas avaliações que os membros da equipe fazem uns do outros. As avaliações de desempenho anuais normalmente mudam para um sistema que fornece feedback e coaching relevantes em poucas semanas ou meses. Programas de treinamento e coaching encorajam o desenvolvimento de habilidades multifuncionais customizadas para as necessidades de cada funcionário. Títulos de trabalho importam menos e mudam com menor frequência quando as equipes são autogeridas e há menos níveis hierárquicos. Trajetórias de carreira mostram como os donos de produtos — os indivíduos que definem a visão e são os titulares dos resultados de uma equipe ágil — podem continuar seu desenvolvimento pessoal, expandir sua influência e aumentar sua remuneração.
É possível que as empresas também precisem renovar seus sistemas de remuneração para recompensar as realizações do grupo, e não as individuais. Elas necessitam de programas de reconhecimento que celebrem as contribuições de imediato. Para reforçar os valores ágeis, reconhecimento público é melhor que bônus confidencial em dinheiro —inspira a pessoa a melhorar ainda mais e motiva os outros a emular os comportamentos elogiados. Os líderes também podem recompensar os participantes nota “A”, envolvendo-os nas oportunidades mais vitais, fornecendo-lhes as ferramentas mais avançadas e maior liberdade possível e conectando-os com os mentores mais talentosos da área.
Ciclos anuais de planejamento e orçamento. Em empresas burocráticas, as sessões anuais de estratégia e as negociações de orçamento são ferramentas poderosas para alinhar a empresa e firmar o compromisso de aumentar as metas. Praticantes ágeis começam com diferentes suposições.
Eles percebem que as necessidades do cliente mudam com frequência e que insights inovadores podem ocorrer a qualquer momento. Na visão deles, os ciclos anuais restringem a inovação e a adaptação: projetos improdutivos queimam recursos até que seus orçamentos acabem, enquanto inovações críticas esperam na fila para competir por financiamento no próximo ciclo orçamentário.
Em empresas com muitas equipes ágeis, o sistema de financiamento é diferente. Os financiadores reconhecem que, em dois terços das inovações bem-sucedidas, o conceito original mudará significativamente durante o processo de desenvolvimento. Eles sabem que as equipes podem abandonar alguns recursos e lançar outros antes do próximo ciclo anual. Como resultado, os procedimentos de financiamento evoluem até se parecer com os de um capitalista de risco. Geralmente, os capitalistas de risco veem as decisões de financiamento como oportunidades de comprar opções para novas descobertas. O objetivo não é criar, de imediato, um negócio em grande escala, mas encontrar um componente crítico da solução final. Isso leva a muitos fracassos aparentes, mas acelera e reduz o custo do aprendizado. Essa abordagem funciona bem em empreendimentos ágeis e melhora muito a velocidade e a eficiência da inovação.
Empresas que implementam o desenvolvimento ágil em larga escala obtêm grandes mudanças em seus negócios. O aumento de escala muda a combinação de trabalho de modo que a empresa passa a inovar mais em relação às operações de rotina. Ela se torna mais capaz de interpretar as mudanças de condição e as prioridades, desenvolver soluções adaptativas e evitar as crises constantes que atingem as hierarquias tradicionais.
Inovações disruptivas passam a ser menos perturbadoras e mais parecidas com negócios adaptativos comuns. O aumento da escala também traz
valores e princípios ágeis para as operações de negócio e funções de apoio, mesmo se muitas atividades rotineiras forem mantidas. Isso leva a maior eficiência e produtividade em alguns dos grandes centros de custo da empresa. E melhora a arquitetura operacional e o modelo organizacional para aperfeiçoar a coordenação entre equipes ágeis e operações de rotina. As mudanças são implementadas online mais rapidamente e respondem melhor às necessidades do cliente. Por fim, as melhorias são mensuráveis nos resultados — não apenas melhores resultados financeiros,mas também maior fidelidade do cliente e engajamento dos funcionários.
A abordagem de teste e aprendizado da metodologia ágil é geralmente descrita como incremental e iterativa, mas não se deve confundir processos de desenvolvimento incrementais com o pensamento incremental. A SpaceX, por exemplo, pretende usar a inovação ágil para levar pessoas para Marte até 2024, com o objetivo de estabelecer uma colônia autossustentável no planeta. Como isso vai acontecer? Bem, as pessoas da empresa realmente não sabem… ainda. Mas entendem que isso é possível, e têm algumas etapas em mente. Elas pretendem melhorar sobremaneira a confiabilidade e reduzir as despesas, em parte reutilizando foguetes como se faz com os aviões. Elas preferem melhorar também o sistema de propulsão para lançar foguetes que possam transportar pelo menos 100 pessoas. Elas planejam descobrir uma forma de reabastecer no espaço. Algumas das etapas incluem
levar as tecnologias atuais ao limite e, em seguida, esperar que surjam novos parceiros e novas tecnologias.
Assim é a metodologia ágil na prática: grandes ambições e progresso passo a passo. Ela mostra o caminho a seguir mesmo quando — como acontece com frequência — o futuro é incerto.
Darrell K. Rigby é sócio do escritório de Boston da Bain&Company. ele lidera as práticas globais de inovação e varejo e é autor de Winning in turbulence.
Jeff Sutherland é cocriador da versão Scrum da inovação ágil e ceo da Scrum Inc., empresa de consultoria e treinamento.
Andy Noble é sócio do escritório da Bain em Boston, especializado em varejo e organização.
Matéria: https://hbrbr.uol.com.br/desenvolvimento-agile-em-escala/
Fonte: Harvard Business Review