Por Eduardo Lapa, José Augusto Vieira e Juan Vieira
Recentes e importantes movimentos vem acontecendo no segmento de petróleo e gás no Brasil e no mundo. Passamos, em um período curtíssimo de tempo por guerras de preços, motivadas por questões de Irã e Rússia, passamos por preço negativo no óleo, estamos atravessando o evento da COVID-19 e uma profunda transformação no que vem acontecendo neste segmento no Brasil.
Diante deste contexto, a Intelligence Hub participou ativamente do evento organizado pelo IBP- Instituo Brasileiro de Petroleo, com participação de Cristina Pinho, secretária-geral do instituto, Rafael Grisolia, Marcelo Araujo e Victor Bomfim, presidentes da BR Distribuidora, da Ipiranga e da Açu Petroleo, respetivamente. Além da participação de Anelise Lara, diretora executiva de Refino e Gás Natural da Petrobras.
Neste texto, buscamos trazer a nossa visão, ao mesmo tempo um compilado da visão destes importantes líderes de empresas relevantes para o segmento de petróleo e gás. As discussões entre os participantes foi muito alicerçada em temas relevantes, e que hoje desafiam as empresas do segmento, tais quais:
Este segmento apresenta grande transformação a partir das recentes decisões estratégicas de governo e da própria Petrobras. A empresa tem sido o principal instrumento de implantação das políticas governamentais para Energia, Petróleo e Gás e seus movimentos num ambiente de maior liberalismo econômico terão consequências relevantes para o setor como um todo.
O elevado nível de endividamento da Petrobras e a pressão por melhoria de resultados de negócios levou a empresa a focar na lógica econômico-financeira de mercado, assim como agem as maiores empresas de energia do mundo. A estratégia é a de concentrar pesados investimentos no Upstream, nas áreas de Exploração e Produção no Pré-sal.
Visando contribuir para a captação de recursos e redução de atividades de menor rentabilidade, no Plano de Negócios 2020-2024 da Companhia, foi decidido executar um processo de desinvestimento para captar R$ 20-30 Bilhões, concentrados até 2021. Este movimento será relevante no Downstream, o que alterará de forma substancial a realidade deste segmento no país.
A garantia no abastecimento em todo território nacional da diversidade de produtos derivados de petróleo e gás foi historicamente a motivação da estratégia de concentrar o mercado e ativos mais relevantes sob a Petrobras. Assim, o nível de serviços aos consumidores e a formação de preços seriam planejados e controlados de forma centralizada.
Isto levou a uma concentração pela Petrobras de 98% na capacidade de refino no Brasil, sendo que a participação de derivados importados não chega a 15% do total de vendas no país.
O transporte de derivados até os distribuidores é feito em dutos, quase todos controlados pela Transpetro e por meio aquaviário, com cerca de 60% por meio também da Transpetro. Esta dominância da Petrobras já não acontece na distribuição, onde há mais de 150 empresas, incluindo aquelas com atuações locais. Ainda assim, a BR distribuidora teve abertura de seu capital, que representou R$ 9,6 Bilhões de desinvestimento. Na revenda, há uma maior pulverização com a rede de 40.000 postos autorizados.
O desinvestimento já avançou muito na área de gás natural, com a venda do controle de empresas transportadoras do produto por meio de gasodutos, como parte do redesenho do mercado de gás no Brasil.
O processo de venda de unidades de refino de petróleo da Petrobras, traz oportunidades a investidores em um novo mercado onde passará a haver livre competição. Os terminais marítimos associados às refinarias e infra-estrutura logística para transporte de petróleo e derivados também serão vendidos, reforçando assim a competição.
As empresas que venham a assumir esses negócios e ativos atuarão de forma a otimizar o retorno de seus investimentos buscando novos mercados em regiões fora de sua área natural de influência, inclusive em outros países. O desenvolvimento de novos produtos para melhor atender o mercado e o aumento de eficiência na gestão e operações devem ser perseguidos.
Oportunidades se abrirão para o enfrentamento dos gargalos logísticos atuais, com investimentos de empresas para aumento de oferta competitiva no transporte de cabotagem, armazenagem e infraestrutura portuária.
Órgãos Públicos como Ministério de Minas e Energia, ANP e Antaq enfrentam o desafio de prepararem o setor para atração de investidores prevenindo a criação de monopólios regionais, garantindo condições para a proteção dos interesses dos consumidores e para o abastecimento de derivados de petróleo em todo o país.
Para Marcelo Araújo, presidente da Ipiranga, talvez estejamos atravessando a maior transformação na indústria de downstream desde a criação da Petrobrás, e não vê motivos para haver interrupção de abastecimento ou problemas mais graves decorrentes do processo de abertura.
No Brasil, mais 30% dos combustíveis já são biocombustíveis, então já acontece o abastecimento direto, 15% a 20% de importação em geral, então as refinarias hoje representam pouco mais de 50% do abastecimento de combustíveis da demanda total de combustíveis líquidos do Brasil. Marcelo reforça que no país já temos pluralidade de players operando, como mais de 300 importadores, mais de 160 distribuidores, mais de 50 operadores logísticos independentes, 50 usinas de biodiesel, 360 usinas de etanol, entre outros.
Ao mesmo tempo, nos parece óbvio que o movimento de 50% do refino vai mudar estruturalmente o setor e um novo modelo de planejamento e coordenação precisará ser desenvolvido, mas não há nenhuma razão para que haja descontinuidade nos processos já existentes. De toda forma, para apoiar o desenho desse novo modelo, todos os elos da cadeia de downstream precisarão se unir e discutir problemas e desafios.
Será necessário também desenvolver um novo arcabouço regulatório com regras estáveis, modernas e com segurança jurídica. Melhorias nas questões tributárias, na regulação da navegação de cabotagem visando sua maior eficiência e regras para uso de terminais marítimos por terceiros serão importantes para o desenvolvimento do desejado ambiente competitivo.
Podemos visualizar em alguns anos um mercado de refino de petróleo com várias empresas além da Petrobras competindo de forma saudável pelos clientes em áreas de atuação não restritas à região geográfica de cada refinaria.
Novos atores com experiências globais devem trazer suas experiências e conhecimentos para desenvolvimentos em tecnologia, processos e gestão.
As operações terão mais eficiência e qualidade, agilidade no desenvolvimento de produtos, aumento de responsabilidade ambiental e melhor resposta ao aumento futuro de demanda.
No que tange à matrizes energéticas, já temos no Brasil uma das matrizes mais limpas do mundo. O Brasil está muito à frente da maioria dos países, com um conjunto relevante de empresas que neutraliza emissões de carbono há muitos, empresas começam a identificar mais oportunidades de compensação de carbono, e será responsabilidade das empresas, governos, e até mesmo instituições de pesquisa, avançar na direção de menor impacto em carbono e poluentes.
A logística para o transporte por diferentes modais, principalmente via dutos e transporte aquaviário, deve sofrer melhorias consideráveis para acompanhar o dinamismo do setor no futuro, com a livre concorrência pelos mercados.
Na visão de Victor Bomfim, da Açu Petróleo, um grande conjunto de refinarias que estão sendo desinvestidas pela Petrobras estão conectadas a terminais marítimos, então com esse desinvestimento, a questão da dinamização da logística passa necessariamente pela questão de terminais marítimos e a cabotagem de líquidos.
Logo, se com o desinvestimento da Petrobras teremos diversificação maior no setor de refino, o mesmo não deverá ocorrer com terminais e cabotagem de líquidos, especialmente na cabotagem. Em terminais recentemente ocorreram alguns investimentos, ainda que tímidos, mas o investimento em cabotagem foi muito baixo nos últimos anos, praticamente toda concentrada na Transpetro.
Este maior dinamismo do Downstream trará benefícios à economia do Brasil pela chegada de novos investimentos relevantes no refino e na infraestrutura logística associada.
Rafael Grisolia, da BR Distribuidora, acredita que há impactos e ameaças, e reforça a necessidade de simetria das oportunidades. Para ele, se não houver uma boa coordenação, as necessidades iniciais que levaram à esta abertura, não serão atingidas. O risco seria não achar um ambiente regulatório estável, dinâmico, transparente e moderno e um ambiente tributário que precisa mais simplificado. Na falta desses ambientes, alguns players privados não conseguirão justificar os investimentos.
Para Anelise Lara, diretora executiva da Petrobras, o futuro passa também por cada vez mais temos uma matriz energética mais eficiente e “limpa”. Em sua visão, as empresas e o país vão buscar formas de reduzir essa dependência do carbono, da energia fóssil, ao mesmo tempo que a não pode abrir mão de uma energia que apresenta uma série de vantagens.
As energias renováveis ainda necessitam muito desenvolvimento tecnológico para estar na base da matriz energética do país, mas já apresentam enorme potencial. Mas para ela, os combustíveis fosseis ainda serão importantíssimos como base da matriz energética. O que o segmento tem que buscar é maximizar a eficiência energética das operações e descarbonizar o máximo as atividades.
O que fica como grande expectativa é que a Petrobras manterá a posição de ator importante, mas não monopolista, captando recursos para se concentrar no segmento de maior criação de valor para seus acionistas. Com isso, espera-se que principalmente os consumidores finais e empresas clientes de derivados de petróleo sejam beneficiados em ambiente competitivo por melhores condições de preço, qualidade e oferta de produtos.