Por Chandra Gnanasambandam e Michael Uhl
Você já parou para pensar nas verdadeiras complexidades que envolvem a criação de um veículo que seja viável, seguro e autônomo? O processo de inovação, por si só, já é um feito hercúleo, mas imagine aquele precursor que desenvolve uma tecnologia, e que ao mesmo tempo tem que competir contra concorrentes poderosos que há mais de cem anos estão consolidados e possuem um profundo conhecimento do setor, recursos e meios.
Esse é o desafio para todos os tipos de inovadores, sejam do setor automobilístico, farmacêutico, de serviços ou de saúde. O fato é que, caminhar sozinho, não é a maneira certa de ir. Trabalhar de forma colaborativa é o novo tempero secreto essencial, tanto para as start-ups, quanto para os líderes do mercado. Para que haja verdadeira mudança, o velho e o novo devem trabalhar juntos, valendo-se dos pontos fortes de cada um.
Estamos em um momento incrível para a inovação. Antes, as inimagináveis oportunidades de reinventar complexos e consolidados setores agora são possíveis através do cloud computing, de novas ferramentas analíticas, e dos dados que decorrem de uma série de novos sensores no mundo físico. Progressos antes improváveis são agora possibilidades reais.
No entanto, os requisitos para a inovação, hoje, são totalmente diferentes daqueles dos últimos 30 anos. O modelo de mudança motivado pela tecnologia que nos trouxe a computação, a internet, e os aplicativos para celulares não é mais suficiente. Transformar nossos antigos setores envolve muito mais do que ter novas tecnologias; um conhecimento sofisticado das regulamentações, dos protocolos de testes e dos ativos físicos tradicionais são essenciais a partir de agora.
As inadequações da velha abordagem são evidentes nos tropeços recentes de algumas start-ups, mesmo quando a tecnologia é boa. A empresa de genômica pessoal e biotecnologia 23andMe deixou de se comunicar com o FDA, órgão responsável pela promoção e proteção da saúde pública nos EUA, e, como resultado, a empresa sofreu um banimento temporário e não pode comercializar o serviço de mapeamento genético para o público. Levou mais de dois anos para que a 23andMe pudesse ter o aval do FDA para detectar 10 doenças, a primeira aprovação para um teste direto ao consumidor.
A A123 Systems prometia ser um sucesso de tecnologia limpa, com um IPO em disparada em 2009. A empresa desenvolvia bateria à base de lítio, o que ajudou a convencer as montadoras de automóveis sobre o seu valor para carros híbridos. Mas a start-up não conseguiu manter o ritmo do desenvolvimento, e o aumento de tradicionais produtores de baterias e defeitos na produção levou a um recall de US$55 milhões em 2012 e contribuiu para que a empresa falisse um ano depois. Comprada após a falência por uma empresa chinesa com foco no florescente mercado interno, a A123 anunciou que fechará sua fábrica em Michigan, já que está diminuindo sua produção de baterias à base de lítio nos Estados Unidos e mudará seu foco para a engenharia e testes.
Até mesmo precursores, como a Tesla, tiveram um caminho difícil — a reinvenção dos automóveis da empresa significava um enorme investimento em partes não essenciais. Enquanto o Tesla tem sido elogiado, e com razão, por seu exterior bem projetado e grandes avanços em automação, ele tem enfrentado reclamações que o acabamento de seu interior não condiz com os de outros carros de alto padrão e faltam recursos que os consumidores esperam. A empresa recentemente contratou o diretor de interiores da Volvo para que pudesse competir no mercado.
A inovação por líderes da indústria não está muito melhor. Os executivos da “velha economia” estão certamente conscientes de suas vulnerabilidades, enquanto testemunham o impacto que a Uber teve no setor de transporte individual, a Airbnb na hotelaria, e a gestão automatizada de ativos em serviços financeiros. Eles não ficaram parados — em 2016, as empresas de capital de risco gastaram cerca de US$25 bilhões em investimentos ao redor do mundo em mais de 1.350 start-ups (com exceção dos investimentos diretos e estratégicos), uma taxa de crescimento anual de 25% a partir de 2012, de acordo com CB Insights. Infelizmente, esses investimentos provavelmente não produzirão benefícios significativos.
Muitos dos empreendimentos corporativos hoje em dia são fragmentados ou personalizados. Frequentemente, observamos uma grande variedade de iniciativas e investimentos operando de forma independente e, em alguns casos, de maneira competitiva. Projetos pilotos com start-ups e líderes corporativos são conhecidos por progredirem tão devagar, que esgotam os recursos das start-ups que estavam destinados a aumentar. Suspeitamos que muitos CEOs ficariam chocados se percebessem as centenas de milhões — até mesmo bilhões — de dólares que eles estão investindo em projetos de inovação sem supervisão, e, geralmente, com o mínimo de retorno.
Acreditamos que há uma maneira melhor de produzir resultados mais radicais — não somente os de curto prazo, ou trimestrais. Com base no nosso trabalho com CEOs de grandes empresas, fundadores de start-ups e investidores ao redor do mundo, descobrimos que trabalhar de modo colaborativo alavanca as aquisições ou as start-ups construídas do zero — não somente a troca de dinheiro, ou o tradicional “investimento patrimonial”, mas uma verdadeira troca de ideias, de modos e visões para atingir objetivos distintos. Para revolucionar as antigas indústrias, tanto empresas pequenas quanto grandes, devem passar por cima do espírito competitivo e abraçar seus pontos fortes e fracos. Tal colaboração pode vir de muitas formas. Estes são novos e únicos modelos de parceria em que as empresas trazem ativos, a capacidade de testar e dimensionar rapidamente e uma compreensão profunda do cenário regulatório. As start-ups injetam nova expertise tecnológica, e os investidores fornecem o capital e o acesso aos novos talentos.
Ouvimos sobre esses problemas com frequência. Organizamos mais de 65 boot camps para executivos C-level a fim de trazer algumas das maiores empresas ao Vale do Silício para verem como pequenas e grandes empresas podem juntas transformar a indústria mais rapidamente, moldando a nova geração de líderes industriais.
Como podemos chegar lá? As start-ups devem mudar seu modo de pensar. A mentalidade de crescer a qualquer custo, e de ir rápido quebrando tudo que vê pela frente, enaltecida pelo Vale do Silício por colocar vidas em jogo nos setores da automotivos e de saúde. Isso significa ser sábio o suficiente para reconhecer seus principais pontos fortes, que você não consegue ser o melhor em tudo, e que há sabedoria e experiência fora da sua empresa que pode levá-lo a uma resposta muito mais rápida do que se você tentasse achá-la sozinho.
Para os gigantes corporativos, uma visão estratégica para o investimento em empreendimentos empresariais é fundamental, não apenas para a inovação, mas para uma nova e melhor maneira de fazer negócios. A inovação é inerentemente arriscada e imprevisível, mas as empresas podem melhoras suas chances ao reinventar toda sua abordagem — com uma estratégia clara, um time dedicado, um portfólio diversificado de modelos de parcerias únicas e uma forte capacidade de elevar novas tecnologias e modelos de negócios a seu negócio principal. Uma abordagem de portfólio pode ter muitos formatos. Para cada uma das suas prioridades de crescimento e mudanças do modelo de negócios, as grandes empresas devem considerar investir em start-ups de vários tipos e por meio de uma variedade de veículos, como investimentos patrimoniais, licenças, alianças e aquisições.
Em vez de apenas financiar e incubar start-ups somente para perturbar os jogadores existentes, neste novo modelo, os investidores se tornam construtores de pontes cruciais entre as novas tecnologias e o talento, e os CEOs dos líderes da indústria em exercício.
Estamos vendo sinais iniciais das possibilidades entre os fabricantes do equipamento original. Veja o investimento que a Ford fez recentemente na Argo, o que faz com que a start-up opere de forma independente e com a latitude de licenciar seu software de autocondução e suíte de sensores para outros. No ano passado, a Ford investiu, oferecendo capital e acesso para que as pistas de teste da Ford pudessem diminuir o custo e melhorar a eficiência desta tecnologia fundamental de carro com piloto automático.
O Scotiabank também é líder na adoção deste tipo de modelo novo. Ele está abraçando uma abordagem de portfólio para inovação e está colocando suas apostas em big data, na inteligência artificial e em novos modelos de negócios, e suas novas fábricas digitais são projetadas para aumentar o número de inovações no seu core business.
Investidores líderes como Andreessen Horowitz e Khosla Ventures estão mudando seu foco para ajudar as start-ups se conectarem com CEOs inovadores. Marc Andreessen vem e agora tem um pequeno exército de pessoas focadas em ajudar as start-ups a se engajarem com a comunidade corporativa.
Tais inovadores sugerem um passo adiante, mas ainda são a rara exceção. Para aproveitar a oportunidade diante de nós, a colaboração na economia deve ser universal. O modelo de inovação usado ontem já não é mais adequado — ao contrário, o ecossistema, como um todo, deve trabalhar junto. Empresas, fundadores e investidores inteligentes que reconhecem isso têm uma chance muito maior de entrar para a história, ao invés de correr o risco de se tornarem a nota de rodapé dela.
Chandra Gnanasambandam é o sócio sênior da McKinsey & Company no Vale do Silício, onde lidera a prática global de crescimento. Michael Uhl é sócio no escritório do Vale do Silício da McKinsey & Company e lidera empreendimentos corporativos para a prática de tecnologia de crescimento da empresa.
Fonte: Harvard Business Review Brasil
Matéria: https://hbrbr.uol.com.br/inovacao-nao-e-so-criar-produtos/