Por Rose Hollister
Se “a essência da estratégia é escolher o que não fazer”, como disse Michael Porter em um artigo seminal da HBR, então a essência da execução é simplesmente não fazer. Isso pode parecer simples, mas, para as empresas, é surpreendentemente difícil eliminar iniciativas em curso, mesmo quando não se alinham às novas estratégias. Mas os líderes continuam acumulando iniciativas, o que pode levar a uma sobrecarga severa nos níveis abaixo da equipe executiva.
Nem sempre os líderes conhecem todas as iniciativas em andamento e seu impacto na empresa. Em outros casos, a política empresarial conspira para que as iniciativas continuem muito depois do seu tempo normal de desenvolvimento. De qualquer forma, a sobrecarga pode resultar em problemas dispendiosos de produtividade, desempenho e burnout de funcionários. Em tempos de baixos índices de desemprego as empresas que não ajustam a carga de trabalho correm o risco de perder talentos valiosos. Um diretor de consultoria de talentos nos contou em uma entrevista: “Embora eu apreciasse e respeitasse minha equipe e achasse o trabalho motivador, o ritmo era insustentável. Optei por sair antes de ter um ataque cardíaco”.
Em muitas empresas, o alarme para a sobrecarga de iniciativas soa quando os resultados da pesquisa de engajamento caem ou os níveis de rotatividade aumentam — ou ambos. Em uma empresa de varejo da Fortune 500, por exemplo, estudos internos mostraram que os gerentes de loja tinham mais serviço do que poderiam realizar em uma semana padrão de trabalho. Em vez de moderarem as exigências, os chefes esperavam que eles estabelecessem prioridades e fizessem malabarismos. No entanto, os resultados dos negócios titubearam e as pontuações do serviço ao cliente caíram. A equipe executiva sênior percebeu então que uma nova abordagem era necessária e recomendou que uma força-tarefa de líderes de alto potencial avaliasse o impacto das iniciativas nos gestores de loja de linha de frente.
A força-tarefa descobriu que muitos departamentos estavam lançando, simultaneamente, iniciativas que exigiam a atenção dos gerentes de lojas, em áreas como lançamentos de produtos, treinamento, serviço ao cliente e TI. Uma revisão abrangente revelou que mais de 90 iniciativas distintas haviam sido implementadas nos seis meses anteriores. Esperava-se que os gerentes de loja as assimilassem e as seguissem enquanto lidavam com um alto volume de clientes e geriam o pessoal. Todas essas demandas tiveram seu preço. Algumas lojas não atenderam às expectativas e previsões da empresa, e as taxas de adesão a de novas iniciativas diminuíram, porque a empresa simplesmente não conseguiu processar todas elas.
Quando os líderes da empresa receberam o relatório, perceberam que precisavam ser mais disciplinados para estabelecer limites e prioridades em vez de esperar que os gerentes de loja continuassem arcando com tudo. O presidente nacional designou um líder sênior para atuar como gatekeeper (mediador) entre os departamentos funcionais e os gerentes de loja. Os departamentos já não podiam procurar diretamente os gerentes de lojas com novas expectativas de trabalho — elas eram peneiradas pelo líder, que avaliava as prioridades e protegia os gerentes de exigências impossíveis. Essa mudança permitiu que os gerentes de loja se concentrassem, e fazer menos rendeu melhores resultados nas principais iniciativas e prioridades.
Em nosso trabalho de consultoria com dezenas de empresas, observamos, repetidamente, as consequências da sobrecarga em vários setores. Em conversas e entrevistas em uma ampla variedade de empresas, a capacidade é um tópico frequente: os líderes se sentem pressionados a fazer mais com menos. Identificamos várias causas básicas, que discutiremos aqui para que você possa identificar os riscos em sua empresa. As empresas tendem a confiar em ajustes equivocados, então explicaremos por que eles costumam ser ineficazes e mostraremos como obter os melhores resultados.
A raiz do problema
Por que existe sobrecarga de iniciativas? Observamos sete causas:
Cegueira de impacto.
A empresa de varejo listada pela Fortune 500 entendeu que nem sempre as equipes executivas estão cientes do número e do impacto cumulativo das iniciativas em andamento. Muitas empresas carecem de mecanismos para identificar, medir e gerenciar as demandas que as iniciativas impõem aos gerentes e aos funcionários responsáveis pelo trabalho. Na prática, pode ser desafiador medir essa carga em toda a empresa, devido ao volume, à complexidade e tamanho da empresa e às ferramentas de rastreamento insatisfatórias. Mas, como mostra o exemplo acima, isso é perfeitamente possível quando a empresa investe os recursos necessários para tanto.
Efeitos multiplicadores.
A maioria dos líderes seniores tem visão clara das iniciativas e prioridades de seus próprios grupos, mas quando se trata das iniciativas de outros grupos sua visão é limitada. Como as funções e as unidades geralmente definem suas prioridades e lançam iniciativas de forma isolada, elas podem não entender o impacto sobre as funções e unidades vizinhas. Suponha, por exemplo, que determinada empresa consista em cinco unidades. Se cada uma começar três iniciativas e requerer alguns recursos de outras duas unidades, então na prática os gestores da linha de frente de cada unidade terão de fazer malabarismos com nove iniciativas. E isso pressupõe distribuir uniformemente o impacto — se algumas unidades tiverem recursos particularmente críticos ou escassos, a carga poderá ser muito maior.
Troca de favores.
Os executivos tendem a se dedicar com mais afinco a alguns projetos de “marca”, e podem angariar recursos para eles por meio de acordos implícitos com os seus pares: “apoio suas iniciativas se você apoiar as minhas”. No mundo da política legislativa, isso é conhecido como logrolling, termo cunhado em 1835 pelo congressista americano Davy Crockett como uma metáfora derivada do antigo costume dos vizinhos de se ajudarem mutuamente para deslocar troncos de árvore. Nas empresas, a prática resulta numa pilha de promessas a cumprir — e projetos que simplesmente não desaparecem. Isso pode acontecer mesmo após o financiamento ter sido oficialmente cortado, porque os líderes têm suas próprias fontes abastadas de financiamento e o poder de decisão para manter suas iniciativas em progresso.
Mandato sem financiamento.
No mundo da política, esse termo é usado quando a legislatura aprova leis que determinam que certas providência sejam tomadas, mas não fornece financiamento para a implementação. Da mesma forma, nos negócios as equipes executivas costumam encarregar suas empresas de atingir metas importantes sem para tanto fornecer aos gestores e equipes os recursos necessários. Em uma importante aquisição em que estávamos envolvidos, a equipe executiva gastou dezenas de milhões de dólares em consultoria para projetar a estratégia, a estrutura, os sistemas e a equipe da empresa resultante, mas não forneceu financiamento para apoiar o trabalho crítico de transição e integração. Em grande parte por causa de conflitos entre “nós” e “eles”, a empresa compradora perdeu a maior parte dos melhores talentos da empresa adquirida — cuja retenção era um objetivo central. Esse não é um exemplo isolado: frequentemente as iniciativas são lançadas sem previsão dos recursos necessários.
Iniciativas band-aid.
Quando projetos são lançados para fornecer soluções limitadas a problemas significativos, o resultado pode ser proliferação de iniciativas, e nenhuma das quais pode lidar adequadamente com a raiz do problema. Vimos empresas fazer investimentos substanciais em programas de treinamento em resposta a avaliações superficiais das habilidades necessárias, ou fornecer apoio limitado para integrar as novas habilidades à prática diária.
Miopia de custo.
Outro ajuste parcial possível de exacerbar a sobrecarga é cortar pessoal sem cortar o trabalho relacionado. Isso acontece quando as empresas ficam obcecadas por reduzir funcionários (uma maneira óbvia de controlar custos de capital humano), mas ignoram o preço a ser pago — em termos de burnout dos funcionários, pressão de desempenho e turnover — ao fazer com que as pessoas remanescentes assumam as tarefas dos que saíram. Um líder de empresa de bens de consumo descreveu assim o problema: “Planejamos reestruturar nossos processos, mas isso não aconteceu. O resultado é que nosso pessoal está trabalhando mais com menos recursos”.
Inércia de iniciativa.
Por fim, é comum as empresas não disporem dos meios (e da vontade) para eliminar iniciativas existentes. Às vezes isso acontece porque elas não têm um processo de “ocaso” para determinar quando algo deve ser interrompido. Um projeto pode ter sido vital para a empresa quando foi lançado, mas depois a justificativa não existe mais — e ainda assim o financiamento e o trabalho continuam. Por exemplo, durante décadas muitas empresas usaram os chamados compradores misteriosos para coletar feedback dos clientes. Com a internet, as empresas podem coletar feedback e dados diretamente dos clientes. Mas muitas demoram a mudar, porque descartar processos testados e aprovados — mesmo que claramente desatualizados — significa adotar sistemas menos testados que exigem novas competências. Os hábitos e a infraestrutura para os compradores misteriosos já estão instituídos. Capturar, entender e avaliar dados dos clientes coletados online exige tempo e um conjunto de diferentes habilidades. Por isso, muitas empresas tradicionais seguem o exemplo das emergentes, que não precisam desaprender abordagens antigas e confortáveis: elas contratam novos líderes com as habilidades certas para ajudar na transição.
O que não funciona
Reconhecer a sobrecarga de iniciativas é um importante primeiro passo, mas, depois, os líderes devem tomar ações significativas. Muitas vezes, porém, eles recorrem a estratégias que não causam impacto ou que agravam o problema. Por exemplo:
Estabelecem prioridades de acordo com a função ou o departamento.
Os líderes sentem-se mais confortáveis em sua própria área porque conhecem bem o território, mas isso não implica que reconheçam o impacto cumulativo de iniciativas entre grupos. Por exemplo, talvez seja importante para as finanças adotar um novo programa de despesas em toda a empresa. Mesmo que essa seja a decisão certa para a empresa, o aprendizado do novo sistema por tentativa e erro ou por meio de treinamentos coloca demandas adicionais aos líderes fora da função financeira. Os supervisores designados dedicam ainda mais tempo do que a maioria, treinando seus colegas no uso cotidiano e respondendo às perguntas à medida que surgem, e isso consome o tempo que gastam em projetos de suas próprias equipes. Claro, todas essas demandas se somam aos processos recorrentes que consomem o tempo de todos na empresa: os gestores devem criar e gerenciar orçamentos para finanças, documentar o desempenho individual e da equipe para o RH, passar por treinamento de ética ou assédio sexual para o departamento legal, e assim por diante.
Portanto, as prioridades não podem ser definidas no vácuo. Os líderes seniores precisam incentivar conversas transparentes sobre volume de trabalho, demandas das iniciativas e recursos em todas as funções — essa mensagem de cima para baixo é fundamental. E serem receptivos ao feedback construtivo em conversas de baixo para cima; porém, com demasiada frequência, eles simplesmente não estão interessados no que as pessoas não conseguem fazer. Nesse ambiente, os funcionários não se manifestam, pois temem pôr a carreira em risco expressando preocupações sobre a carga de trabalho ou admitindo que têm limites. E sem essa informação, os líderes não têm uma visão completa das demandas em toda a empresa e não podem estabelecer prioridades de forma adequada.
Estabelecem prioridades gerais sem decidir o que cortar. Em geral as equipes de liderança estabelecem as prioridades que definem onde as pessoas devem concentrar sua energia. No entanto, esses esforços serão prejudicados se elas não fizerem, também, o trabalho duro de decidir explicitamente quais são suas implicações e o que deve ser interrompido. Em uma empresa imobiliária com a qual trabalhamos, a equipe de liderança decidiu lançar simultaneamente mais de uma dúzia de iniciativas. Equipes de projeto foram formadas e esperava-se que produzissem resultados com rapidez. Os resultados desejados foram alcançados, mas com alto custo: colaboradores importantes decidiram sair da empresa em vez de atender às crescentes demandas — excesso de horas extras e a pressão esmagadora das novas responsabilidades.
Fazem cortes gerais de iniciativas.Quando os líderes pedem que todos os departamentos ou funções reduzam seus orçamentos ou iniciativas em determinado montante — digamos, 10% a 20% —, cada grupo encontra seu próprio caminho para cumprir a diretiva. No entanto, essa abordagem de redução não leva em consideração as prioridades e interdependências gerais na empresa. Assim, cortes em projetos em uma função, como TI ou marketing, podem prejudicar a capacidade de outras funções de entregar projetos críticos. Por exemplo, como parte da contenção geral de custos, o departamento de TI de uma empresa do setor de hospitalidade teve de cortar custos em 20%. Por isso, adotou um modelo baseado em autoatendimento e terceirização e eliminou o suporte pessoal in loco aos computadores. Embora a TI tenha feito os cortes almejados, todas as outras funções passaram a gastar mais tempo resolvendo seus problemas de TI.
O que funciona
Apesar das dificuldades, é possível combater a sobrecarga de iniciativas e concentrar recursos empresariais em projetos estrategicamente essenciais. Por exemplo, a CBIZ, empresa em expansão de serviços comerciais, tornou-se muito mais rigorosa na decisão de quais projetos poderiam avançar. Marina Davis, diretora de organização e desenvolvimento de talentos da empresa, nos disse em uma entrevista: “Olhamos para cada iniciativa com duas lentes: se ela tem um impacto positivo no negócio e na cultura. À medida que ganhamos velocidade, escolhemos com cuidado o que vamos fazer e o que não vamos”.
Da mesma forma, os líderes seniores da empresa imobiliária mencionada acima — a que lançou diversas iniciativas de uma só vez — começaram a perceber que era necessário empreender mudanças. Embora, naquele ano, tivessem implementado transformações na empresa, não queriam que aquele ritmo se tornasse o novo padrão. Então, no ano seguinte, ficaram surpresos pelo grande volume de dinheiro que estava sendo solicitado no orçamento para ainda mais iniciativas, a maioria delas internas — reuniões com todo o pessoal, eventos de desenvolvimento de liderança, reuniões de planejamento, lançamentos de TI e treinamento de RH. Embora as finanças da empresa fossem fortes o suficiente para atender às solicitações, a empresa precisava concentrar-se de modo mais intenso nas vendas, e a equipe executiva temia que as outras iniciativas propostas atrapalhassem. Com o objetivo de avaliar essa preocupação, pediram que, para cada iniciativa solicitada, os líderes funcionais dividissem os orçamentos de viagem e o tempo gasto dentro e fora do escritório, além do financiamento para desenvolvimento e custos de instalação e alimentação. As implicações para o capital humano ficaram claras: juntos, os encontros e eventos internos demandariam mais de 30% do tempo dos gestores. Depois de discutirem o assunto com a equipe sênior e visarem uma porcentagem menor de tempo longe dos clientes, o CEO e o CFO decidiram quais iniciativas manter e quais cortar, favorecendo as que eram importantes para a geração de negócios. No ano seguinte, os gestores passaram mais tempo no campo e menos em sessões de treinamento e planejamento, e as demandas de tempo se tornaram mais fáceis de administrar.
Como mostram esses exemplos, o combate à sobrecarga de iniciativas requer vontade e disciplina para fazer e impor escolhas difíceis. Segue um processo passo a passo que pode orientá-lo.
1. Obtenha uma contagem real das iniciativas atuais em toda a empresa para ver se ela está sofrendo de sobrecarga (faça o teste “Sua empresa está com problemas?”).
2. Avalie todas as iniciativas atuais em andamento. Para cada uma, identifique a necessidade de negócio, o orçamento necessário, a alocação de pessoal e o impacto nos negócios.
3. Faça os líderes seniores trabalharem juntos para estabelecer prioridades de forma integrada. Para garantir reduções adequadas de iniciativas, a discussão deve ser conduzida pela equipe de liderança e informada pelo feedback sincero que vem de baixo.
4. Estabeleça uma cláusula de validade para cada iniciativa, identificando a data final para o financiamento e o número de pessoas alocadas, para que os projetos não consumam recursos ano após ano, a menos que tenham impacto comercial significativo.
5. No planejamento anual subsequente, exija que cada iniciativa faça nova solicitação de financiamento e outros recursos. Pedidos de apoio devem demonstrar seu valor para a empresa.
6. Comunique claramente para o resto da empresa que interromper uma iniciativa não significa que ela tenha sido um fracasso ou não tenha méritos. Enfatize que há um limite objetivo no número de grandes ideias que a empresa pode lançar.
Naturalmente, a melhor forma de evitar a sobrecarga de iniciativas é simplesmente impedi-la. Isso significa estabelecer avaliações rigorosas para impor disciplina quanto ao momento em que a empresa lança iniciativas e à forma como o faz — e acompanhar de perto quanto tempo é gasto com elas e quem arca com isso (ver quadro lateral “Perguntas a serem feitas antes de promover iniciativas”).
Para empresas que já estão sofrendo com a sobrecarga, concentrar-se nos benefícios do corte pode tornar o caminho um pouco mais fácil. Elas se beneficiam quando aprendem a dizer não, como afirmou Steve Jobs certa vez, às “centenas de outras boas ideias que existem”. Elas podem, assim, usar sua energia criativa e produtiva com mais sabedoria, aumentar o comprometimento e a lealdade dos funcionários e concentrar seus esforços nas áreas prioritárias.
Rose Hollister é coach executiva e consultora da Genesis Advisers. Liderou o Leadershisp Institute de 2010 a 2017. Ministra cursos de liderança global e mudança na Northwestern University
Michael D. Watkins é cofundador da mesma empresa de consultoria, professor da IMD Business School e autor de Os primeiros 90 dias (Alta Books, 2018).
Matéria: https://hbrbr.uol.com.br/projetos-em-excesso/
Fonte: Harvard Business Review Brasil