CONTEXTUALIZAÇÃO
Este breve artigo traz uma reflexão compartilhada pelos autores, obtida através de mais de uma década atuando com o tema inteligência de mercado. Esta reflexão trará dados e informações que vão clarear a hipótese de que a inteligência não está sendo bem utilizada pelas organizações. Não neste formato. Ao mesmo tempo, o artigo trará também uma visão de como reverter o quadro e ampliar sua adoção e visão de que ela de fato pode ajudar às organizações.
Parece não haver dúvida de que uma inteligência bem estruturada pode melhorar o desempenho das empresas. Seja através de inovações para as grandes companhias, de um setor econômico ou até mesmo da melhoria de uma nação. As micro e pequenas empresas poderiam se organizar em clusters para obter inteligência sobre seus setores e regulação. Não há dúvidas de que as médias empresas poderiam lançar mão de usar sistemas e processos em prol de monitorar seus competidores atuais e novos entrantes, antecipando sua tomada de decisão. Até mesmo as grandes empresas podem se municiar sistematicamente com informações sobre novos modelos de negócio, de informações estratégicas de seus competidores, podem traçar cenários e previsões para que estejam buscando preparar melhor as ações futuras. Não há dúvidas.
A grande questão é que o modelo de inteligência de mercado de grande parte das empresas brasileiras está fadado ao fracasso. O modelo de inteligência vigente, por vezes, não mostra os reais valores da implantação de processos, de tecnologias, de compra de informações, de montagem de equipes e coisas do gênero. Os ditos “gerentes de inteligência” não chegam a conseguir gerenciar de forma a trazer resultados nítidos para as empresas. Este ponto precisa ser mudado definitivamente para que esta prática, assim como outras importantes ferramentas de management, não decaia numa breve linha de tempo.
As dificuldades e os fatores críticos em Inteligência
É importante observarmos que existem algumas dificuldades inerentes ao tema, outras inerentes à forma como as empresas vem aplicando estes temas. Listamos então as questões que mais nos saltaram aos olhos em nossas interações com executivos, com profissionais de inteligência, com fornecedores de inteligência e com pesquisadores neste tema.
A Inteligência de Gabinete não funciona mais. Um modelo onde as empresas montam uma área de inteligência, contratam uma pequena equipe, e a incumbem de gerar inteligência para a companhia fracassou. Por vezes estas áreas de inteligência não percebem, ou não conseguem mapear os fluxos de inteligência já existentes na companhia. Por vezes não conseguem gerir este conhecimento, estas informações trafegadas, e acabam assim não conseguindo gerar trabalhos de maior robustez. As áreas comerciais, de marketing, de produtos acabam tendo maior contato com o campo, estando mais próximas da atividade-fim da empresa e dessa forma geram inteligência para elas mesmas.
É preciso enxergar as redes de inteligência. Isso poderia dar maior visibilidade e relevância para as áreas de inteligência. Enxergar que existe geração de inteligência pelas próprias áreas de negócio e, de alguma forma, tentar participar destas redes e fomentá-las.
Os fornecedores brasileiros de inteligência se compartimentaram em Software ou Consultoria ou Informações. Em um ecossistema onde não há players integrados, onde as empresas não conseguiram levar uma visão integrada, pode haver uma proliferação de implantações compartimentadas. Hoje percebe-se muitas empresas que implantaram uma tecnologia de informação e caracterizam seus projetos como projeto de inteligência. Há empresas que estão implantando uma metodologia ou uma técnica e batizam seus projetos como se fossem de inteligência de mercado.
Os executivos cada vez demandam soluções rápidas para decisões complexas. Cada vez mais os executivos e gerentes precisam tomar mais decisões, enquanto o espaço de tempo para tomar estas decisões vem diminuindo. As áreas de inteligência precisam se adaptar a esta realidade.
Multiplicam-se as “áreas de inteligência” dentro das organizações. Para atender à uma realidade de grande dinâmica, de suportar transformações rápidas pelas quais as empresas passam, vão se proliferando áreas de inteligência. Trabalhamos para uma companhia grande no setor agrícola onde estavam montando uma nova área de inteligência para suportar as decisões mais estratégicas. E esse movimento se deu por conta do principal executivo desta empresa entender que as entregas e o atendimento da área de inteligência se restringia às entregas mais táticas.
Nas decisões mais estratégicas, a área de inteligência nem sempre é consultada. Nos fica o questionamento forte, e a percepção de que nas decisões mais impactantes de uma empresa, nas decisões de cunho mais estratégico, nem sempre as áreas de inteligência têm sido consultadas.
Diferente do mercado norte-americano, não há no Brasil um bom bureau de suporte à decisão. Existe um conjunto de empresas nos Estados Unidos, e talvez tenha na Europa também, que se propõe a ser um bureau de suporte às decisões. Este modelo de bureau funciona com um monitoramento contínuo de alguns mercados, com tecnologias de monitoramento, com geração de estudos contínuos e que são acionados e contratados por grandes companhias para que deem sua visão sobre decisões altamente impactantes. Pelo nosso país existem consultorias e algumas empresas de inteligência que vendem estudos ad hoc, mas não encontramos empresas que se posicionam como bureau.
As áreas de inteligência nem sempre conseguem mostrar o retorno sobre investimento. A prática de inteligência nas organizações nem sempre está associada aos resultados da empresa. Muitas vezes há um conjunto grande de entregas da área de inteligência e nem sempre estão associadas a alguma métrica de resultado.
Importantes dados sobre a relevância de inteligência
Os temas dos eventos da SCIP – Strategic and Competitive Intelligence Professionals – do ano de 2015 foi: Game Changers. Uma clara alusão à necessidade de mudança que estamos remetendo aqui. Estivemos no evento Europeu desta sociedade de profissionais e pudemos ver o quanto se debatia sobre isso. Alguns dados também nos mostraram a necessidade rápida de que as áreas de inteligência busquem maior relevância.
Pesquisa apresentada em Novembro de 2015, em Madrid/Espanha, no evento europeu promovido pela SCIP, pudemos ver que a maneira como inteligência têm sido trabalhada precisa mesmo ganhar alguma modificação. E mais atualmente, em recente pesquisa feita pela SCIP no Brasil, confirmam isso.
Alguns dados na pesquisa nos impressionaram. Mas quando perguntados sobre a formalização da estrutura de inteligência, 18% das empresas não tem uma área, e em 30% delas, há atividades de inteligência executadas pelas áreas que poderiam ser usuárias. Talvez a informação diga por si só, mas precisamos buscar maior relevância nas entregas para estas áreas.
Nos chamou a atenção também, ao ver que no Brasil 44% das empresas tem 1 a 3 colaboradores na área de inteligência. Como, naturalmente, os pesquisados têm algum conhecimento sobre o tema, e estão atuando nessa área por conta da empresa manter alguma atenção sobre isso, este número pode ser ainda maior! Mas com 1 a 3 funcionários trabalhando para este tema, talvez o conjunto de entregas dos mesmos não tenha a qualidade mais elevada, até mesmo por questões de capacidade de resposta/tempo.
Quando olhamos a remuneração do analista de inteligência, mesmo sabendo as disparidades que podem ter havido nesta pesquisa, vimos que mais de 60% dos analistas de inteligência tem salário de até R$ 5.000,00. Sim, cinco mil reais.
No caso da pesquisa na Europa, pudemos ver que estes números, excetuando remuneração, também não mudam muito. Isso pode nos acender uma luz para a questão da relevância. É possível cobrar entregas e atuação estratégica, retorno sobre o investimento e maior qualidade na entrega, a equipes de 1 a 3 pessoas, que ganham em média 3 mil reais por mês?
A inteligência dando o apoio na performance das empresas
Pode não haver uma definição clara de qual melhor modelo de inteligência a ser seguido por uma organização. Pode haver até alguma indefinição acerca de como estruturar o processo de inteligência. De toda forma, nossa visão é de que independente dos modelos e ferramentas de inteligência sejam eleitas, a inteligência deverá ter como desafio primordial SUPORTAR DECISÕES EMPRESARIAIS através de monitoramento de informações, uso de tecnologia e metodologias de análise, que resulte na melhoria de resultados das empresas.
Os times de inteligência devem buscar estruturar redes de inteligência, fazendo com que utilizem mais do que sistemas de informação, utilizem mais do que monitoramento de informação, utilizem mais do que dados internos, mas usem também do fluxo de informação e conhecimento existente nas empresas para que possa trazer ações de mais impacto nos resultados, atendendo e apoiando as decisões dos executivos e gestores.
Toda e qualquer entrega deve ser elaborada e pensada de acordo com objetivos estratégicos da empresa. Levando em consideração os resultados que aquela análise vai trazer para a empresa. Pensando não somente em entregar uma análise, mas também fazendo o plano de ação para ser entregue aos decisores.
Toda e qualquer entrega de inteligência deve ser feita não só como geração de um relatório, mas tendo a área de inteligência um contexto maior de forma que impacte na decisão, que apoie em uma eventual implementação de mudança. As áreas precisam sair da entrega de relatórios que não estejam alinhados a nenhum driver estratégico.
As áreas de inteligência devem buscar o melhor composto entre tecnologia, informação, modelo analítico e recursos humanos. Este composto poderá trazer aos relatórios e entregas um grau maior de robustez, relevância e confiabilidade. Buscando esta relevância, identificamos 5 dimensões onde a inteligência de fato pode trazer resultados mensuráveis.
O Modelo de 5 Dimensões de Inteligência
As 5 dimensões de inteligência constituem um modelo de atuação em inteligência de mercado, onde as áreas podem trabalhar 5 grandes dimensões, e certamente, terá como mostrar maior relevância nas entregas, bem como manter uma relação mais próxima com a possibilidade de gerar resultados:
- Comercial
- Competição
- Clientes
- Produtos
- Supply Chain
Para cada uma destas cinco dimensões o gestor e analistas de inteligência poderão realizar o mapeamento de entregas de inteligência que podem ser mensuráveis a partir de entregas bem estruturadas.
Na Dimensão Comercial, as áreas de inteligência podem trazer impactos a partir de entregas associadas à geração de leads, expansão comercial, expansão geográfica, precificação, Win/Loss e correlatos, onde para cada entrega, é possível vislumbrar os impactos.
Na Dimensão de Competição, talvez a mais tradicional para as práticas utilizadas pelas empresas, é possível mapear um conjunto de ações de monitoramento dos concorrentes, com vistas a antecipar suas ações, reagir com a maior velocidade possível e antever movimentos a serem feitos por eles. Desta forma, associa-se o monitoramento realizado aos resultados que podem ser mensurados por antecipar ou reagir rapidamente às ações dos competidores.
Na Dimensão Clientes, há uma série de possibilidades que estão ligadas a tirar maior proveito possível da carteira de clientes da empresa. Processos de segmentação de carteira de clientes, trabalhos de cross-selling e up-selling, trabalhos de clusterização e propensão à compra podem ser feitos, fazendo com que a empresa capte mais valor a partir deste ativo.
Na Dimensão Produtos, as contribuições de inteligência podem melhorar bastante. Elas podem ir desde trabalhos de otimização e análise de portfólio, apoio ao processo de inovação e antecipação à estratégia de produtos dos competidores, além de forte trabalho de monitoramento de marca, preço e praça.
Na Dimensão Supply Chain, fica a oportunidade para a área de inteligência de suprir processos de compras, de apoio na definição da estratégia de aquisição por categorias, de realizar monitoramento contínuo de fornecedores e potenciais fornecedores, fazendo com que a empresa possa ter benefícios maiores do que as negociações tradicionais entre contratante-fornecedor.
Estruturando um processo de inteligência para atender à estas dimensões, a inteligência seria gerada de forma a trazer resultados para a empresa. Este é o ponto que parece ser nevrálgico: mostrar o valor que a inteligência está trazendo para as empresas.
Este modelo deve ser implementado pensando nas pontas de informação e conhecimento que precisará conciliar, unir e utilizar. É preciso que as áreas de inteligência sejam, ou tenham capacidade de contratar o outsourcing, de um bom integrador de inteligência. Ser um integrador significa unir e orquestrar a utilização de:
- Informações de Mercado
- Conhecimento e Informações Internas
- Metodologia e Modelos Analíticos
- Consultores e Experts
- Rede de Informações Primárias
- Tecnologias de Apoio
Se uma área de inteligência estiver municiada destes seis elementos, ela funcionará como um hub de inteligência, congregando o que há de mais importante para suportar um processo decisório.
Conclusão
Se as áreas de inteligência atuarem bem nas cinco dimensões, funcionando com um integrador ou um hub de inteligência, certamente poderão contribuir mais com os resultados das empresas. As empresas que estão obtendo os melhores resultados com inteligência não realizam esta atividade de forma empírica e sem aporte de metodologias.
A atividade de inteligência de mercado isolada, em um departamento ou área, está se extinguindo ou se mostrando ineficiente. Cada vez mais as atividades de inteligência se pulverizam nas organizações. Pode parecer obvio que as informações estratégicas, o conhecimento relevante, está espalhado pelos profissionais da organização.
Construir redes de inteligência, impulsionar o processo de compartilhamento de informação e conhecimento crítico, retroalimentar os executivos com estas informações e coordenar todo esse fluxo serão atividades que deverão entrar cada vez mais no conjunto de atividades dos profissionais de inteligência.
O uso da tecnologia de informação cresce exponencialmente nos EUA e Europa, e no Brasil não pode ser diferente. Através de plataformas tecnológicas completas, ou mais específicas, que conseguem apoiar de fato aos analistas e à organização em seu processo decisório. Interessante perceber que em casos mais maduros, a tecnologia não está sendo utilizada como substituição de analistas, mas sempre convivendo com eles. Sempre manipuladas por eles.
Fica a questão para os profissionais de inteligência: ou esta prática ganha relevância, ou fica pelo meio do caminho como outras práticas de Management.
Por Eduardo Lapa, Nicolas Yamagata, Elisabeth Gomes e Luciano Gonçalves