Nos tempos incertos que vivenciamos atualmente, em que a economia patina em um cenário congelante, a palavra “risco” passa a ser repetida com maior ênfase nas empresas.
Em uma visão tradicional das atividades empresariais, podemos notar que a análise de risco nos negócios se manteve, majoritariamente, focada em concessão de crédito a clientes e na avaliação do risco inerente ao processo de venda.
A maioria das empresas de médio e grande porte possui áreas de análise de crédito e risco financeiro. Analistas, coordenadores e gerentes focados em analisar o mercado dos clientes, seus balanços patrimoniais, histórico de relacionamento, tendências, estatísticas, indicadores de desempenho de pagamentos e assim por diante.
São elaborados ratings, exigidas garantias, determinada a periodicidade de revisão e análise, reuniões de comitê de crédito para concessão de limites, existem também as alçadas definidas para cada analista e uma hierarquia de aprovações.
Mais além, serviços de análise de crédito e risco são adquiridos pelas empresas. Relatórios de desempenho, base de dados econômico-financeiros, plataformas de gestão de crédito entre outros serviços são adquiridos pela empresa que teme o risco de vender e não receber.
Tive o privilégio de atuar nesta frente de trabalho, atuando como escudo da empresa contra possíveis maus pagadores. Vampiros que sugariam os produtos, o capital empregado, matérias-primas, processos, tecnologia e toda uma estrutura produtiva para, então, desfilarem na amarga lista de bad-debt.
Após alguns anos de vivência com este perfil de atuação, passei a integrar e conhecer melhor as áreas de Compras, Purchasing, Procurement.
UMA PEQUENA GRANDE CONSTATAÇÃO
Em algumas empresas multinacionais de grande porte, pude notar que, no momento da compra, não se realizavam análises de riscos criteriosas para a definição, escolha e contratação de fornecedores ou mesmo para a definição da melhor forma de aquisição.
Ou seja, todo o escudo empresarial estava virado contra os possíveis maus pagadores. Porém, as portas para os fornecedores se mantinham abertas, sem cadeados ou fechaduras.
Ora, é necessário refletir sobre os riscos inerentes às atividades de aquisição. Em Compras se estabelecem contratos de aquisição de médio e longo prazos. Atua-se no desenvolvimento e homologação de novos produtos e tecnologias – etapas que levam tempo e custam dinheiro, mobilizam equipes inteiras de tecnologia, times de manufatura.
É através das atividades de Suprimentos que se abastece a fábrica, a linha de produção, se garante a prestação de serviços fundamentais para a existência da empresa.
Sem o correto abastecimento, sem a devida matéria-prima homologada, sem um rolamento, parafuso ou correia específica, pode-se parar a produção, atrasar o faturamento, incorrer em problemas com equipamentos, ficar com mão de obra ociosa.
Se faltar uma matéria-prima estratégica ou mesmo um item crítico no Almoxarifado, a empresa pode atrasar a entrega dos produtos aos clientes, incorrer em multas altíssimas e finalizar o projeto no vermelho.
Sim, existe um grande risco de sangria na área de Suprimentos. Os riscos, as dores e os sintomas são vários, e nem sempre a apresentação de garantias financeiras resolve o problema – uma vez que as garantias podem cobrir a perda financeira, mas a quebra de credibilidade, perda de clientes e manchas na imagem da empresa não são cobertas ou curadas por garantias como hipoteca, carta de crédito ou fiança bancária.
As decisões de Compras envolvem aspectos de riscos como capacidade produtiva, saúde financeira, controles e ferramentas de qualidade e certificações do fornecedor, riscos inerentes aos fornecedores dos fornecedores (tier 2, tier 3 etc), questões setoriais, socioambientais, capacidade técnica e de suporte, atendimento a clientes, riscos de concentração da carteira em poucos clientes ou em setores específicos, riscos geográficos, econômicos, force majeure entre outros tantos tópicos que, em geral, não são avaliados de modo apropriado pela maioria das empresas.
São necessárias outras ferramentas de proteção.
PEQUENAS PROVOCAÇÕES
Cabe aqui algumas provocações:
- As empresas e seus líderes estão cientes dos riscos envolvidos nas compras que realizam?
- Em seus contratos de longo prazo, nos quais os produtos são alvo de obsolescência, em que as peças são oriundas de fornecimento ou design exclusivo por parte de determinado fornecedor, as empresas possuem planos de mitigação e contingência, caso o fornecedor single source deixe de existir ou fornecer no futuro, por diferentes razões? É realizado tal mapeamento?
Aparentemente, a necessidade de se avaliar os riscos de fornecedores e de decisões e estratégias de compras ainda se mostra em fase embrionária em muitas empresas.
Áreas de Purchasing são mantidas como engrenagens operacionais de geração de pedidos de compras e acompanhamento de entregas.
Sim, isto ainda é realidade em grandes corporações.
Porém, a transformação é necessária e urgente.
Observem um exemplo dos desafios que o setor de mineração oferecem para a estratégia de Procurement.
Esse pequeno exemplo tangibiliza os grandes riscos para uma operação altamente crítica e complexa e reforça o grau de importância de uma boa função de inteligência em suprimentos.
Ao longo de minha trajetória profissional, tive a oportunidade de participar e também conduzir processos de transformação de áreas operacionais de Compras em estruturas estratégicas de Procurement. Quatro questões me chamaram a atenção:
- METODOLOGIA: Nestes processos, as ferramentas e metodologias de Inteligência são de essencial aplicação.
- FORMAÇÃO: Deve-se formar a equipe de compradores de modo que eles possuam as habilidades mínimas para detecção, avaliação e mitigação de riscos.
- ENTENDIMENTO: Deve-se levantar a necessidade de conscientização, de análise, de trabalhar com pensamento estratégico nas decisões de aquisição.
- CONHECIMENTO: Instrumentalizar as equipes com conhecimento, aplicar as metodologias e adaptá-las conforme a necessidade da empresa e características do mercado, criar um escudo forte e resistente que proteja o valor da companhia.
Uma das vertentes de Procurement Intelligence, a análise e gestão de riscos na Cadeia de Suprimentos se mostra, cada vez mais, de relevância impactante para as organizações.
Compartilhamos uma visão macro de como uma boa função de inteligência pode apoiar na estruturação de um radar de inteligência para o setor de mineração. É um exemplo não exaustivo, mas demonstra o nível de complexidade e o endereçamento estratégico que a atividade de vigilância constante exerce neste segmento.
Quem compra, enfim, deve saber espantar os diversos males que podem deixar a sua empresa, gravemente, doente.
E o que você, que trabalha na área Procurement, está fazendo na sua empresa sobre essas questões?
É a nossa inteligência competitiva, para a sua vantagem competitiva.
Grande abraço,
Fabiana Tonizza e Nícolas Yamagata